Amigos de Bolso — Aforismos sobre a hipermídia comercial

Feed. — As redes exportam um modelo especificamente estadunidense, vulgo capitalista, de consumo tecnológico. São sistemas projetados para maximizar as receitas de anúncios e métricas de “engajamento” e “taxas de cliques”. Critérios que propagandeiam informações não para o benefício dos usuários, mas para o lucro corporativo. Contanto que maximize o rendimento de uma operação de negócios essas redes persistirão a propagar todo tipo de desinformação, discurso de ódio e até mesmo sexualização de menores. Os feeds carregam não só os valores e compreensão do mundo do usuário mas principalmente os valores e visões de quem os verdadeiramente regem. As ideias, sonhos e lutas dos povos oprimidos não aparecerão facilmente em nossos feeds por serem inferiores às ideias dominantes, corporativas, militares e metropolitanas mas por não serem patrocinadas pela indústria da publicidade ou pela CIA.

Caixa de Skinner. — Nas redes sociais, as relações convertem-se em ultraprocessado digital. São composições aditivas, destituídas de densidade interna, incessantemente aceleradas. Aqui, os meios sociais deterioraram-se a consumo — outrora praça agora shopping. O capitalismo “commoditizou” o colóquio, o flerte, o vínculo em um um vácuo de informação entre as bordas de uma tela. O social é rebaixado e instrumentalizado subordinando-o inteiramente às demandas da eficiência. A comunicação online é permeada de gratificações dopaminérgicas e vias de narcisização do indivíduo. Inserem-se curtidas, compartilhamentos, visualizações, notificações, emojis e figurinhas como estímulos behavioristas, saturando-se em aditividade. A compulsão por esses estímulos é premeditada, transformando-se em hiperatividade na rede: mais publicações, mais curtidas, mais compartilhamentos. Como ratos na caixa de Skinner, somos cobaias em nossas caixas smartphones.

Psicopolítica. — A rede, o panóptico digital, exerce controle ubíquo, psicopolíticamente incute nos usuários a encenação expositiva. O usuário, antes sujeito, faz-se objeto-propaganda, degradando-se a encenação de si mesmo onde cada ação é moldada pela lógica do mercado e da vigilância. O usuário, na lógica do engajamento, torna-se agente da própria exploração impulsionado por uma necessidade gerada por si mesmo. Daí se vê o surgimento de patologias digitais como o Fear of missing out (Medo de perder algo) ou Fear of logging off (Medo de se desconectar). O usuário vê-se pressionado em sentido estético e performativo a um regime de visibilidade perpétua.

Following. — Na hiperconexão, o contato humano se torna desprovido de substância narrativa; assume forma líquida, desprovida de direção e significado — Obsceno. As relações se desenrolam em vácuo, as esferas do público e do privado se diluem e se mesclam. Toda relação se resume pela lógica do follow uma relação binária de conexão ou desconexão. Posts são comunicação efêmera, convertem o comunicar em mera troca de informações. A informação reflexo do momento presente se limita à instantaneidade, essa volatilidade impede a sedimentação de um passado.

Engajamento. — O usuário é constantemente bombardeado por pseudoatividades, ele se convence de estar participando de transformações sociais relevantes: engajamento, militância, agitação, discussões. A vida social promovida pelas redes se expõe como vita activa. O usuário goza de sua ação como quem arregaça as mangas e constroi um mundo melhor. Tudo pseudo-realidade na qual se move o ativismo, postura subjetiva — pseudoatividades de satisfação substitutiva, um fim em si mesmo.

Amigos. — Dezenas de posts se desenrolam em tempo real, diálogos mediados por telas. Discussões inflamadas, piadas vazias e banalidades cotidianas em um fluxo incessante de informações. Os amigos de bolso são meros produtos a serem consumidos, descartáveis, existindo apenas até o apagar da tela. Curtidas e comentários alimentam a ilusão de pertencimento paralelamente fomentando a performance expositiva. Os amigos de bolso se concretizam em gozo imediato e instantâneo, uma modalidade de relacionamentos atomizados sem intenções de estreitamento. As relações são transparentes, os habitantes digitais ligados em hipercomunicação expõe-se a si mesmos no panóptico digital mas não há um verdadeiro conhecer. Faltam-lhes a profundidade da negatividade.