Imperialismo de Lênin — Um Recorte.

Monopólio. — Por meio de dados consolidados da irrefutável estatística burguesa de sua época Lênin traça a história dos monopólios a partir das décadas de 1860 e 1870 onde ‘a livre concorrência parecia, para a maior parte dos economistas, uma “lei da natureza”’ mas que Marx já demonstrava que a própria lógica da concorrência e acúmulo de capital “engendra a concentração da produção, e essa concentração, em um determinado patamar de seu desenvolvimento, conduz ao monopólio.’1. Desde então por um longo período de desenvolvimento, acumulação, crise e cartelização os monopólios, trustes e carteis passaram a ser uma das bases de toda a vida econômica. Já no início do século XX as palavras de ordem do capitalismo como “livre concorrência” “pequeno proprietário” e “democracia” pertenciam a um passado distante. O capitalismo havia evoluído ‘num sistema mundial de opressão colonial e sufocamento financeiro da imensa maioria da população do planeta por um punhado de países “avançados”.’2 A luta da concorrência entre pequenas e grandes empresas fora estrangulada pelos monopolistas. Os cartéis, coligações empresariais nacionais ou internacionais, em comum acordo recorrem a práticas para arruinarem empresas que não se submetem aos monopolistas assim garantindo o controle da produção, preços e mão de obra. Lênin, a partir do economista alemão Kestner elenca 8 das principais táticas dos carteis para o controle dos mercados:

“1) privação de matérias-primas (“um dos processos mais importantes para obrigar a entrar no cartel”); 2) privação de mão de obra mediante “alianças” (ou seja, acordos entre os capitalistas e os sindicatos operários para que estes últimos só aceitem trabalho nas empresas cartelizadas); 3) privação de meios de transporte; 4) privação de possibilidades de venda; 5) acordo com os compradores para que estes mantenham relações comerciais unicamente com os cartéis; 6) diminuição sistemática dos preços (com o objetivo de arruinar os “terceiros”, ou seja, as empresas que não se submetem aos monopolistas, gastam-se milhões durante um certo tempo para vender a preços inferiores ao de custo: na indústria da gasolina, ocorreram casos de redução de preço de 40 para 22 marcos, isto é, quase metade!); 7) privação de créditos; 8) declaração do boicote.”3

Deste modo, esgotando a concorrência, os cartéis conduzem entre si a socialização integral da produção. “Os cartéis estabelecem entre si acordos sobre as condições de venda, os prazos de pagamento etc. Repartem entre si os mercados de venda. Determinam a quantidade de produtos produzidos. Estabelecem os preços. Distribuem os lucros entre as diferentes empresas, e assim por diante.”4.

Essa coalizão empresarial na medida em que fixam preços e socializa a produção cessam qualquer progresso técnico que possa arriscar sua hegemonia ou implicar em gastos adicionais. “Exemplo: nos Estados Unidos, um tal de Owens inventou uma máquina que provocou uma revolução na fabricação de garrafas. O cartel alemão de fabricantes de garrafas comprou-lhe as patentes e guardou-as a sete chaves, atrasando a sua aplicação. É claro que, sob o capitalismo, o monopólio não pode nunca eliminar completamente e por muito tempo a concorrência no mercado mundial (esta é, entre outras, uma das razões por que a teoria do ultraimperialismo é um disparate). É claro que a possibilidade de diminuir os gastos de produção e aumentar os lucros, implantando aperfeiçoamentos técnicos, atua a favor das modificações. Mas a tendência à estagnação e à decomposição, inerente ao monopólio, por sua vez, continua a operar e, em certos ramos da indústria e em certos países, há períodos em que consegue se impor.”5

Bancos. — Originalmente, os bancos surgiram como meros intermediários nos pagamentos. Assim, “os bancos convertem o capital monetário inativo em ativo, isto é, em capital que rende lucro”6. Com o processo de concentração os bancos medram a monopolistas onipotentes. Passam a dispor de quase todo o capital monetário do conjunto dos capitalistas e pequenos proprietários. Assim, movimentando contas-correntes de vários capitalistas acabam por constituir um capitalista coletivo. Ao reunir imenso capital e conhecimento econômico de seus clientes, aos poucos os bancos desenvolvem uma união pessoal com as maiores empresas industriais e comerciais ou mesmo a administração pública. Participam dos conselhos, assembleias, diretorias e governos como gestores do capital.

Capital financeiro. — A fusão cada vez maior dos capitais bancário e industrial decorrentes da acumulação, monopolização e a “união pessoal” dos bancos com a indústria fez com que cada vez mais o capital industrial não pertença aos industriais que o utilizam mas aos bancos. Esse capital que se encontra à disposição dos bancos e é utilizado pelos industriais é o que se chama “Capital financeiro”. Logo, com um “sistema de participação”, as instituições financeiras conseguiram sem possuir um capital muito grande controlar vastos setores da produção por meio do domínio de ações majoritárias. “A experiência demonstra que basta possuir 40% das ações para dirigir os negócios de uma sociedade por ações, pois uma determinada parte dos pequenos acionistas dispersos não tem na prática possibilidade alguma de assistir às assembleias gerais etc.”7. Assim o “sistema de participação” propagandeado como “democratização do capital”, com a participação de múltiplos agentes nas decisões corporativas, como a eleição de diretores e a aprovação de propostas em assembleias “é na realidade um dos modos de fortalecer o poder da oligarquia financeira.”8

Exportação de capital. — Com o desenvolvimento das forças produtivas e o surgimento dos monopólios no capitalismo formou-se ‘um enorme “excedente de capital” nos países avançados.’9. Esse capital não é aplicado no desenvolvimento e elevação do nível de vida das massas do país, desenvolvendo agricultura, melhorando salários, acabando com a desigualdade, pois isso significaria a diminuição dos lucros dos capitalistas. Esse “excedente de capital” é exportado para o estrangeiro, para os países atrasados onde influencia o desenvolvimento do capitalismo nos países aos quais ela se direciona. No formato de empréstimo, financiamento, fusões, aquisições e compras o capital financeiro estende as suas redes pelo mundo.

Partilha do mundo. — O domínio, pilhagem, colonialismo e imperialismo já existiam mesmo antes da atual fase do capitalismo. O império romano conquistou praticamente todo o mundo antigo, portugueses e espanhóis colonizaram as américas, guerras de pilhagem foram travadas em todo o mundo. Mas com a total expansão do colonialismo europeu as principais potências econômicas concluíram a conquista de toda a terra do planeta de tal forma que não mais seria possível a conquista de novos territórios ou mercados, restando somente uma redistribuição das terras, mão de obra e mercado de “proprietário” para outro. Com a total expansão dos territórios e mercados, o desenvolvimento das forças produtivas, o acúmulo de capital, monopolização e a germinação do capital financeiro surge uma nova política colonial mundial, um agravamento da luta pelas colônias, esferas de influência e mercados. As maiores associações monopolistas, foram se expandindo e se aproximando de um acordo mundial entre elas. Lênin exemplifica esse processo com o desenvolvimento histórico dos super monopólios da energia, petróleo e trilhas e ferrovias. Ao longo dos anos essas indústrias formam sociedades e logo depois fusões como a Companhia Geral de Eletricidade (GEC) dos Estados Unidos e a Sociedade Geral de Eletricidade (AEG) da Alemanhã. Depois desse processo de aglutinação formam-se os trustes internacionais em acordos pela partilha do mundo. “A concorrência foi suprimida: a GEC “recebeu” os Estados Unidos e o Canadá; à AEG “couberam” a Alemanha, a Áustria, a Rússia, a Holanda, a Dinamarca, a Suíça, a Turquia e os Balcãs. Fecharam-se acordos especiais – secretos, evidentemente – em relação às filiais, que penetram em novos ramos da indústria e em “novos” países, ainda não incluídos formalmente na partilha.”10

Imperialismo. — A decomposição do capitalismo a seu estágio monopolista e a política de ‘opressão colonial e sufocamento financeiro da imensa maioria da população do planeta por um punhado de países “avançados”’11 caracterizam o imperialismo como estágio superior do capitalismo. O fim da livre concorrência com a formação dos monopólios, carteis e trustes e a extensa exportação de capital configuram novas relações de poder e política externa de pilhagem. Lênin traça cinco traços fundamentais que caracterizam o imperialismo: “1) a concentração da produção e do capital elevada a um patamar tão elevado de desenvolvimento que criou os monopólios, os quais desempenham um papel decisivo na vida econômica; 2) a fusão do capital bancário com o capital industrial e a criação, baseada nesse “capital financeiro”, da oligarquia financeira; 3) a exportação de capital, diferentemente da exportação de mercadorias, adquire um significado particularmente importante; 4) a formação de associações internacionais monopolistas de capitalistas, que dividem o mundo entre si, e 5) o término da partilha territorial do mundo entre as grandes potências capitalistas.” 12

Parasitismo. — A base econômica do imperialismo é composta pela estirpe dos rentistas, usurários, ‘pessoas que vivem do “corte de cupons”; pessoas que não participam de nada em nenhuma empresa; pessoas cuja profissão é a ociosidade’. Como essa classe constitui a estrutura econômica da sociedade imperialista seus paradigmas se tornam a política constituída em um “Estado rentista” (Rentnerstaat), ou Estado usurário. O Estado rentista é o Estado do capitalismo parasitário, é o Estado credor cujas classes superiores recebem enormes tributos do estrangeiro devedor. Ao aplicar capital excedente em países politicamente dependentes ou aliados o Estado usurário além de entesourar capital através de juros e dividendos, das emissões, das comissões e da especulação também é capaz de gerar uma relação de dependência maior. “O credor está mais solidamente ligado ao devedor do que o vendedor ao comprador.”13. Vemos como atualmente o Fundo Monetário Internacional (FMI) compelem políticas de austeridade a nível global para seus devedores. A exportação do capital financeiro de Estados credores como Inglaterra, França, Alemanha, Bélgica, Suíça, Holanda e Estados Unidos é capaz de dobrar a soberania nacional de uma maioria gigantesca de Estados devedores e conduzir a política pública global sem levantar uma arma.

Adendo. — Este resumo não pretende abarcar todo o imperialismo segundo Lênin, mas apenas destacar suas características essenciais. Toda a estatística apurada por Lênin, referências, contextos históricos, a crítica a Kautsky e outros pensadores estão de fora desse resumo. Recomendo muito a leitura de “Imperialismo, estágio superior do capitalismo”. Lênin um pensador à frente de seu tempo já contemplava muito de nossa situação atual.

Footnotes

  1. Lênin, Vladímir Ilitch. Imperialismo, estágio superior do capitalismo. Brasil, Boitempo Editorial, 2021. Página 39

  2. Lênin, Vladímir Ilitch. Imperialismo, estágio superior do capitalismo. Brasil, Boitempo Editorial, 2021. Página 27

  3. Lênin, Vladímir Ilitch. Imperialismo, estágio superior do capitalismo. Brasil, Boitempo Editorial, 2021. Página 44

  4. Lênin, Vladímir Ilitch. Imperialismo, estágio superior do capitalismo. Brasil, Boitempo Editorial, 2021. Página 41

  5. Lênin, Vladímir Ilitch. Imperialismo, estágio superior do capitalismo. Brasil, Boitempo Editorial, 2021. Página 125

  6. Lênin, Vladímir Ilitch. Imperialismo, estágio superior do capitalismo. Brasil, Boitempo Editorial, 2021. Página 51

  7. Lênin, Vladímir Ilitch. Imperialismo, estágio superior do capitalismo. Brasil, Boitempo Editorial, 2021. Página 71

  8. Lênin, Vladímir Ilitch. Imperialismo, estágio superior do capitalismo. Brasil, Boitempo Editorial, 2021. Página 71

  9. Lênin, Vladímir Ilitch. Imperialismo, estágio superior do capitalismo. Brasil, Boitempo Editorial, 2021. Página 85

  10. Lênin, Vladímir Ilitch. Imperialismo, estágio superior do capitalismo. Brasil, Boitempo Editorial, 2021. Página 93

  11. Lênin, Vladímir Ilitch. Imperialismo, estágio superior do capitalismo. Brasil, Boitempo Editorial, 2021. Página 27

  12. Lênin, Vladímir Ilitch. Imperialismo, estágio superior do capitalismo. Brasil, Boitempo Editorial, 2021. Página 114

  13. Lênin, Vladímir Ilitch. Imperialismo, estágio superior do capitalismo. Brasil, Boitempo Editorial, 2021. Página 127